Pondo termo ao acesso não autorizado aos recursos genéticos (quer dizer, biopirataria): acesso aberto limitado

O “acesso aos recursos genéticos” e a “participação justa e equitativa dos benefícios provenientes de sua utilização” vêm aturdindo delegados e delegações das 13 Conferências das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, que entrou em vigor no ano de 1993. A expressão entre aspas conhecida pela sigla em inglês “ABS” é o terceiro objetivo do Convênio e se encontra entrelaçada pelos dois primeiros objetivos que são a conservação e o uso sustentável. Apesar de 25 anos de esforços e de uma bioeconomia de quase um trilhão de dólares, são muito poucos os contratos celebrados. Desses poucos, os benefícios monetários são tão baixos que as partes contratantes relutam em revelá-los. A “Lei brasileira de ABS” de 2015, que entrou em vigor no dia 6 de novembro de 2017 permite, por exemplo, a obtenção de royalties sobre vendas líquidas tão baixos que isso implica a celebração de contratos pela bagatela de uma décima parte de um por cento. Citando as palavras de um jurista erudito, os Usuários pagam “uma miséria pela biodiversidade”.

Joseph Henry Vogel é professor de Economia na Universidade de Porto Rico – Rio Piedras, Manuel Ruiz Muller é advogado ambiental na Sociedade Peruana de Direito Ambiental, Klaus Angerer é professor na Universidade Justus-Liebig de Giessen, e Omar Oduardo Sierra gradou-se recentemente no Programa de Linguística da Universidade de Porto Rico – Rio Piedras obtendo o título de mestre. O e-mail a ser usado para correspondência: <josephvogel@usa.net>. Traduzido para português por Camilo Gomides [camilogomides@yahoo.com] com revisão técnica por Laura Areias.

O “acesso aos recursos genéticos” e a “participação justa e equitativa dos benefícios provenientes de sua utilização” vêm aturdindo delegados e delegações das 13 Conferências das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, que entrou em vigor no ano de 1993. A expressão entre aspas conhecida pela sigla em inglês “ABS” é o terceiro objetivo do Convênio e se encontra entrelaçada pelos dois primeiros objetivos que são a conservação e o uso sustentável. Apesar de 25 anos de esforços e de uma bioeconomia de quase um trilhão de dólares, [1] são muito poucos os contratos celebrados.[2] Desses poucos, os benefícios monetários são tão baixos que as partes contratantes relutam em revelá-los. A “Lei brasileira de ABS” de 2015, que entrou em vigor no dia 6 de novembro de 2017 permite, por exemplo, a obtenção de royalties sobre vendas líquidas tão baixos que isso implica a celebração de contratos pela bagatela de uma décima parte de um por cento.[3] Citando as palavras de um jurista erudito, os Usuários pagam “uma miséria pela biodiversidade”.[4]

‘Naked Mole-Rat Genome Resource’ tipifica o acesso aberto limitado

O fracasso em obter justiça e equidade é normalmente atribuído às falhas gerais dos Estados Provedores. Ainda que os procedimentos administrativos de acesso aos recursos genéticos sejam morosos, a burocracia não explica a miséria paga pelos mesmos. No entanto, a economia explica dita miséria. Os recursos genéticos não são matéria como amplamente mal interpretado pelas Partes pertencentes à CDB, senão informação. A economia nos ensina que a competição fará baixar os preços ao custo marginal de produção, independentemente de tratar-se de matéria ou informação. No primeiro caso se alcançará a eficiência, já no segundo, a falência. Portanto, os economistas justificam os monopólios de direitos de propriedade intelectual como o mecanismo legal para recuperar os custos fixos de criar informação artificial.[5] O argumento análogo para a informação natural é a proteção de um oligopólio por meio do Artigo 10 do Protocolo de Nagoya à Convenção,[6] que contempla um Mecanismo Mundial Multilateral de Participação dos Benefícios.

O setor biotecnológico põe em relevo a proeminente economia. Os cientistas podem levar a cabo (Pesquisa e Desenvolvimento) sem ter que jamais tocar qualquer recurso genético ou sem divulgar o que estão pesquisando.[8] Examine cuidadosamente, por exemplo, o site de The Naked Mole-Rat Genome Resource, [9], que destaca que “não há restrições nem de uso do site nem de uso do genoma”. Para evitar a obrigação de distribuir os benefícios, os Usuários podem afirmar que nenhum “material genético” foi obtido, sempre que “material” seja sinônimo de matéria. No entanto, os Provedores vão insistir em dizer que “material’ não é sinônimo de matéria e que a sequência foi simplesmente desvinculada fisicamente do elemento original.[10] A réplica previsível é ao mesmo tempo cínica e desencorajadora: independentemente de como se interprete o que vem a ser “material”, pois a desvinculação física poderia ter ocorrido em um dos Estados que não é Parte do CDB e onde o mesmo não é vinculante, quer dizer, a Santa Sede, ou, mais especificamente, os Estados Unidos da América.

Os ambientalistas não têm que se desesperar. A “informação digital sobre sequências de recursos genéticos” ocupa na atualidade o centro das atenções na Conferência das Partes (COP), um sistema parlamentar que se ocupa em tomar decisões sobre um tratado-quadro. Do dia 13 ao dia 16 de fevereiro de 2018, vinte e cinco peritos se reuniram na Secretaria do CDB para esmiuçar a questão, tendo em vista a preparação da COP14 que será realizada do dia 10 ao dia 22 de novembro de 2018.[12] Depois de enumerar as posições ao longo de várias páginas, o Relatório fecha com a sugestão que ‘“o acesso aberto limitado sobre a informação natural” merece ser analisado’.[13] Na verdade, pode se encontrar muito terreno comum no posicionamento do Grupo Africano para justificar a substituição de “informação digital sobre sequências de recursos genéticos” por “informação natural” e procurar solidez para a política pública de ABS.[14] O Órgão Subsidiário de Parecer Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA), número 22, se reunirá do dia 2 ao dia 7 de julho de 2018 e fará uma recomendação à COP14. Será a economia da informação—a única economia relevante—considerada e tomada em conta desta vez? Ou prevalecerá stare decisis? Termo em latim traduzido para português como precedente judiciário que significa manter o assunto conforme decidido anteriormente, embora a decisão tomada a priori esteja inegavelmente equivocada!

Chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome é o conselho que nos dá E.O. Wilson, o naturalista célebre da Universidade de Harvard.[15] Uma vez que os recursos genéticos sejam interpretados como “informação natural”, a implicação para a política pública é acesso aberto limitado. Os recursos genéticos continuarão fluindo livremente (acesso aberto) mas não estarão livres de custo (limitado). Os royalties pagos pela propriedade intelectual sobre o valor agregado podem ser cobrados ex post a utilização para logo serem repartidos entre os países de origem, de forma proporcional ao habitat. Desta forma serão alcançadas a justiça e a equidade aludidas pelas Partes. E o que será feito quando os recursos forem ubíquos? Ou quando as quantias arrecadadas forem tão baixas que não valha a pena repartir? Nesses casos, os rendimentos arrecadados financiariam a infraestrutura necessária para que o pleno conjunto funcione de forma devida.

Felizmente, o que é justo e equitativo é também eficiente. Deste modo, pode se pôr um fim na biopirataria.

[Note: An English translation of this article is available here.]

[1] ten Brink P. Chapter 5: rewarding benefits through payments and markets. The economics of ecosystems and biodiversity for national and international policy makers. 2009: 34. Disponível em www.cbd.int/doc/case- Consultado dia 4 de abril de 2018studies/inc/ cs-inc-teeb.Chapter%205- en.pdf.  Consultado dia 4 de abril de 2018.

[2] Pauchard N. Access and benefit sharing under the Convention on Biological Diversity and its Protocol: what can some numbers tell us about the effectiveness of the regulatory regime?” 2017; Resources 6(11). Disponível em http://www.mdpi.com/2079-9276/6/1/11/htm. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[3] Brazil: Law No. 13.123 of May 20, 2015. Article 20. http://www.wipo.int/edocs/lexdocs/laws/pt/br/br161pt.pdf. See also Brown M. “New Brazilian law on genetic heritage gives one year companies to report on their past activities having used Brazilian heritage”. 7 December 2017. Disponível em https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=3f8fb766-b4f0-437d-80ee-ae2ee742f360. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[4] Drahos P. Intellectual property, indigenous people and their knowledge; 2014. Cambridge University Press, Cambridge.

[5] Samuelson PA and Nordhaus WD. ECONOMICS, 2010. McGraw-Hill Irwin, New York, 224.

[6] Convention on Biological Diversity. Disponível em https://www.cbd.int/abs/. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[7] Vogel JH. On the Silver Jubilee of ‘Intellectual property and information markets: preliminaries to a new conservation policy’ in MR Muller, Genetic resources as natural information: policy Implications for the Convention on Biological Diversity; 2015. Routledge, London,: xxi-xxv. Disponível em https://s3-us-west-2.amazonaws.com/tandfbis/rt-files/docs/9781138801943_foreword.pdf. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[8] Oldham P. Global status and trends in intellectual property claims: genomics, proteomics and biotechnology; 2014. Submission to the Executive Secretariat of the CBD. CESAGEN, United Kingdom. Disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1331514. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[9] The Naked Mole-Rat Genome Resource. Disponível em http://naked-mole-rat.org. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[10] Ministry of Foreign Affairs of Brazil – Environmental Division. Disponível em https://www.cbd.int/abs/DSI-views/Brazil-DSI.pdf. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[11] UNCBD. List of Parties. Disponível em https://www.cbd.int/information/parties.shtml. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[12] UNCBD. Disponível em https://www.cbd.int/doc/notifications/2017/ntf-2017-109-abs-en.pdf. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[13] UNCBD. Report of the ad hoc Technical Expert Group on Digital Sequence Information on Genetic Resources. CBD/DSI/AHTEG/2018/1/4, 20 February 2018. Disponível em https://www.cbd.int/doc/c/4f53/a660/20273cadac313787b058a7b6/dsi-ahteg-2018-01-04-en.pdf. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[14] UNCBD. Disponível em https://www.cbd.int/abs/DSI-views/Ethiopia-AU-DSI.pdf. Consultado dia 4 de abril de 2018.

[15] Wilson EO. Consilience; 1998. Knopf, New York, 4.

 

Image Credits: Roman Klementschitz, Wien

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